Neste 27 de janeiro, o incêndio que ocorreu na Boate Kiss , em Santa Maria , no Rio Grande do Sul, completa 10 anos . A tragédia que ocasionou a morte de 242 pessoas e feriu 636, ainda deixa marcas àqueles que sobreviveram ou perderam familiares, amigos e conhecidos em 2013.
O caso foi considerado a segunda maior tragédia no Brasil em número de vítimas em um incêndio . Após anos na Justiça, a tragédia foi julgada no ano de 2021 e quatro homens foram julgados culpados pelo incêndio . No entanto, em agosto de 2022, os réus foram soltos após anulação do júri.
O dia do incêndio
O evento era direcionado para jovens universitários da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). A festa, chamada “Agromerados”, foi organizada para reunir os estudantes dos cursos de agronomia, medicina veterinária, pedagogia, zootecnia, técnico em agronegócio e técnico em alimentos.
Na casa noturna, a classificação etária era de 18 anos e o ingresso custava R$ 15. As atrações confirmadas do evento no site da boate foram “Gurizada Fandangueira”, “Pimenta e seus Comparsas” e os DJs Bolinha, Sandro Cidade e Juliano Paim.
Era por volta das 3h da manhã, madrugada do dia 27 de janeiro de 2013, quando um dos músicos que tocava na boate naquela noite acendeu um sinalizador de uso externo. As faíscas lançadas pelo equipamento entraram em contato com a espuma de isolamento acústico, o que causou o incêndio.
Andressa Amaral, 28, sobrevivente da tragédia na Kiss, contou ao iG como ela conseguiu sair da boate Kiss a tempo de salvar sua vida.
“Logo que começou (o incêndio) eu não vi que era fogo mesmo, aí uma colega me puxou e disse: “Vamos sair daqui que vai pegar fogo”, então me agarrei numa delas e saí”, conta Andressa, que estava acompanhada da turma da UFSM, onde ela cursava o segundo semestre de Medicina Veterinária.
Andressa estava perto do palco quando tudo começou. Ela conta que naquele dia, o primo que também estava na boate, a salvou de ir ao banheiro, que ficava mais longe de uma saída e poderia ter impedido a salvação da jovem.
“Ele tinha me chamado e perguntando se eu queria mais alguma coisa.
E eu estava indo no banheiro. Então foi graças a ele que eu não fui, se não fosse ele talvez eu não estivesse mais aqui”, diz Amaral, explicando que o banheiro era no fundo da boate.
Para Andressa, a casa noturna estava muito lotada, o que dificultou a saída de muitos.
“Na hora assim eu não sabia que era uma coisa tão grande. Eu estava indo em direção à porta e lembro de ter olhado para trás e comecei a enxergar tudo escuro, acredito que era fumaça e as luzes apagando e ouvi barulho de vidro quebrando. Daí eu lembro que eu só pensava assim, eu preciso sair daqui porque se acontecer alguma coisa comigo a minha mãe e meu pai não vai aguentar”, relata a sobrevivente.
Perda da melhor amiga
Andressa conta que perdeu cerca de 20 pessoas e a melhor amiga da faculdade, Ana Paula Anibaleto dos Santos, 20 anos, estudante de Medicina Veterinária na UFSM.
“Eu perdi assim em torno de 20 pessoas entre colegas conhecidos e a minha melhor amiga da faculdade. Ela foi levada ao hospital e eu tava na cabeça que a minha amiga tava bem. Eu só fui acreditar mesmo que ela tinha falecido quando o meu pai me ligou chorando porque ele entrou junto para reconhecer o corpo. Foi uma coisa que me marcou muito, acabou comigo”, destaca Amaral.
Busca por Justiça
Em 10 de dezembro de 2021, os quatro réus acusados do incêndio da boate Kiss foram condenados: Elissandro Callegaro Spohr, Mauro Londero Hoffmann, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão foram condenados com penas de 18 a 22 anos de prisão.
No entanto, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) acolheu parte dos recursos das defesas e anulou as condenações e determinou a realização de um novo julgamento em agosto de 2022.
“Esse julgamento, eu acredito que não foi 100% justo. A meu ver, tinha que ter mais gente (condenada) inclusive a promotoria nisso, a prefeitura. Não digo diretamente o prefeito, mas secretários ali que eram os responsáveis também por cuidar dessa parte. E os bombeiros”, afirma Andressa.
Atualmente, o processo está na Secretaria da 1ª Câmara Criminal para diligências. Após esta etapa, o caso será enviado para a 2ª Vice-presidência do TJ analisar se admite os recursos apresentados pela acusação e pelas defesas.
Kiss: que não se repita
Um coletivo chamado “Kiss: que não se repita”, criado em 2013 com a finalidade de compartilhar a palavra de pais, sobreviventes e amigos de vítimas do incêndio, organizou uma campanha sobre os 10 anos da tragédia.
O projeto intitulado “Tempo Perdido”, visa mostrar, através de fotos, a progressão do tempo de algumas vítimas fatais do incêndio. Segundo o coletivo, o objetivo é a manutenção da memória do ocorrido e levar conforto às famílias que apoiaram a ideia.
Veja as fotos:
“Nesses quase dez anos de coletivo, trabalhamos para dar alento e espaço para tantas vozes vitimadas que foram caladas diante da injustiça social. Todas as famílias escolhidas abraçaram a ideia da forma mais amorosa possível, contando que imaginam todos os dias como seus entes estariam se ainda fossem vivos. Esse projeto é uma forma de carinho que queremos dar a todos esses corações, depois de uma década convivendo com a impunidade e a saudade. Para que a memória se mantenha sempre viva e que a Kiss nunca mais se repita”, disse André Polga, fundador do coletivo KQNSR.